Era uma festa no mínimo estranha. O
convite veio da gerente de RH da agência em que eu trabalhava na época.
Barcelona tem dessas. Não ia. Mas um amigo, então mestrando em psicologia
social na PUC chegava naquele sábado, vindo de Amsterdã. Outro amigo, professor
da USP, também estava hospedado em casa (leia-se república ou, se preferir,
“piso compartido”). Uma americana, amiga de uma amiga de São Paulo estava
perdida em casa. Não lembro o porquê nem o nome dela. Um casal, formado por um mexicano com nome de
filósofo francês e uma catalã completavam a trupe, naquela noite. Jantamos.
Alguns vinhos depois decidimos deixar o casal, que morava conosco, furnicar à
vontade Resolvemos, então, ir à tal festa. Coisas do acaso.
À caminho me dou conta de que não tenho
o endereço. Ligo para Iolanda, uma colega do trabalho que, ao atender a
ligação, colocava a sua filha no berço. Não iria à festa, mas tinha anotado o
endereço. Avenida Gran Vía de les Corts Catalanes, segunda planta, puerta
tercera. O amigo professor, quando alertado de que a festa era no apartamento de
uma pessoa e não em um lugar público decidiu voltar à pé para a república.
Preferia terminar um fichamento de Fédon, de Platão.
Festa estranha, com gente esquisita.
Depois de alguns gin-tónics, decido conversar com uma moça que estava sentada
num canto, sozinha. Tinha acabado de chegar do País Vasco. Vinha de mudança
para tentar a vida. Cabelos pretos cortados com uma singular franja. Tinha os
olhos miúdos. Bebia e fumava, meio desinteressada por tudo aquilo que acontecia
à sua frente. Moça de sorriso difícil. Tentei todas as táticas e estratégias de
que dispunha. Nada. Confesso, para o bem da verdade, que o meu arsenal era (é)
bem limitado. Quando vislumbro algum avanço, chega a Policia. Quase quarenta
pessoas são convidadas pelos agentes repressores do Estado a esvaziar o recinto,
quer dizer, o apartamento.
Na rua, copos e garrafas nas mãos,
uma deliberação. Vamos para o Karma. Todos. Em meio a desconhecidos, sigo o
papo. A moça quer comprar cigarros. Me diz que é de Vitória-Gasteiz. Me ofereço
para acompanhá-la. Nada. Inamovível.
Na Plaça Reial entramos no Karma. Os
quarenta se diluem na massa que já estava na discoteca. Música dos oitentas, da
movida madrilena. A moça se surpreende com o fato de que eu conhecia algumas
das canções. Balada divertida, com gente não tão mais estranha, ainda que cheia
de desconhecidos. A moça diz que vai ao banheiro. Digo que vou junto. Bauman
ajudou a liquefazer a divisão sexual dos lavabos. Espero a que um travesti
termine de urinar. Tenho pressa. Espero a moça na porta. Roubo-lhe um beijo. Não
há resistência. Mas as luzes se ascendem. O tempo regulamentar tinha acabado.
Anoto o celular dela. Combinamos um café.
Exatos nove anos depois daquela
noite, relembro desta história uma e outra vez, no ônibus, a caminho de Nova
Iorque. A caminho de recebê-la.
Temperatura: 2ºC
Vento: moderado
Possibilidade de chuva: nula, dia de sol!