miércoles, enero 21

Day 20 – Food truck

Há umas cinco ou seis carrocinhas de comida na frente da faculdade. Numa tentativa desesperada de escapar da comida pouco saudável resolvi escolher a que vende pratos vegetarianos. Escolha lúcida, racional e madura. O proprietário, um simpático indiano, achou que eu era francês. Ficou feliz ao saber que eu era, na verdade, hispânico (esse foi o conceito étnico que ele me atribuiu). Sem que eu pedisse colocou uma dose extra – grátis! – de pimenta e curry. Disse-me, com orgulho, que estas especiarias uniam os hábitos culturais dos indianos com os hispânicos. As consequências digestivas deste ato generoso foram desastrosas. A produção acadêmica e a concentração foram para o espaço, quer dizer, para o banheiro.

Temperatura:  -4ºC
Possibilidade de chuva: neve, neve e mais neve.

Vento: suave, mas extremamente frio.

Day 19 – State of the Union

A expectativa era grande, como sói em este evento por estas bandas. Obama, de fato é um excepcional orador. Quando ele começou a falar, praticamente não conseguimos tirar os olhos da televisão. As principais emissoras de televisão deslocaram os seus apresentadores estrelas para Washington, D.C. Esquema final de Copa do Mundo. Antes e depois da fala do Sr. Presidente, tentei zapear entre CBN, NBC, CNN e Fox. Difícil extrair alguma conclusão. Como muito, algumas alucinações. Depois de ouvir os “especialistas” da ultraconservadora Fox, parece-me que a Globo, os Reinaldos Azevedos e outros congêneres nacionais seriam considerados esquerdistas nestas terras.

Temperatura: - 1ºC
Possibilidade de chuva: 20%

Vento: intenso


Day 18 – Martin Luther King Jr Day


Feriado nacional. Para pensar sobre os direitos civis. Para lembrar do legado do Dr. King. Para debater casos como o de Ferguson e as questões raciais que ainda assolam e assombram a humanidade.

Temperatura: 0ºC
Possibilidade de chuva: 30%
Vento: forte e frio

Day 16-17 – Laundry’s ethics


Há uma ética para a lavanderia. Um implícito moral. Descobrimos, como sempre, no transcurso da ação. No subsolo, máquinas industriais para lavar e secar estão a disposição dos moradores do meu prédio. Claro, pagando. Entre U$1,00 a U$1,50 para lavar e outros U$1,50 (para secar).

Para encontrar a vida boa, potente, na lavanderia, basta não olhar para a ação dos teus vizinhos. Eles contam com o seu não olhar. De não ser assim, o bigodudo sessentão não colocaria Vanish nas manchas da cueca dele ali, na frente de todos; a coreana do 3º andar não lavaria as micro-calcinhas vermelhas rendadas; o moleque do 14º não andaria de pijamas e descalço em meio à roupa dos demais; e assim por diante.

Não é uma ética distinta de muitos paradigmas que aí estão. Afinal, requer uma reflexão moral individual, livre  e soberana sobre a sua própria ação, sem se preocupar com a dos demais.

Temperatura: 2ºC
Possibilidade de chuva: 100%
Vento: moderado   

Day 15 – Winter 2006/15

Era uma festa no mínimo estranha. O convite veio da gerente de RH da agência em que eu trabalhava na época. Barcelona tem dessas. Não ia. Mas um amigo, então mestrando em psicologia social na PUC chegava naquele sábado, vindo de Amsterdã. Outro amigo, professor da USP, também estava hospedado em casa (leia-se república ou, se preferir, “piso compartido”). Uma americana, amiga de uma amiga de São Paulo estava perdida em casa. Não lembro o porquê nem o nome dela. Um  casal, formado por um mexicano com nome de filósofo francês e uma catalã completavam a trupe, naquela noite. Jantamos. Alguns vinhos depois decidimos deixar o casal, que morava conosco, furnicar à vontade Resolvemos, então, ir à tal festa. Coisas do acaso.

À caminho me dou conta de que não tenho o endereço. Ligo para Iolanda, uma colega do trabalho que, ao atender a ligação, colocava a sua filha no berço. Não iria à festa, mas tinha anotado o endereço. Avenida Gran Vía de les Corts Catalanes, segunda planta, puerta tercera. O amigo professor, quando alertado de que a festa era no apartamento de uma pessoa e não em um lugar público decidiu voltar à pé para a república. Preferia terminar um fichamento de Fédon, de Platão. 

Festa estranha, com gente esquisita. Depois de alguns gin-tónics, decido conversar com uma moça que estava sentada num canto, sozinha. Tinha acabado de chegar do País Vasco. Vinha de mudança para tentar a vida. Cabelos pretos cortados com uma singular franja. Tinha os olhos miúdos. Bebia e fumava, meio desinteressada por tudo aquilo que acontecia à sua frente. Moça de sorriso difícil. Tentei todas as táticas e estratégias de que dispunha. Nada. Confesso, para o bem da verdade, que o meu arsenal era (é) bem limitado. Quando vislumbro algum avanço, chega a Policia. Quase quarenta pessoas são convidadas pelos agentes repressores do Estado a esvaziar o recinto, quer dizer, o apartamento.

Na rua, copos e garrafas nas mãos, uma deliberação. Vamos para o Karma. Todos. Em meio a desconhecidos, sigo o papo. A moça quer comprar cigarros. Me diz que é de Vitória-Gasteiz. Me ofereço para acompanhá-la. Nada. Inamovível.

Na Plaça Reial entramos no Karma. Os quarenta se diluem na massa que já estava na discoteca. Música dos oitentas, da movida madrilena. A moça se surpreende com o fato de que eu conhecia algumas das canções. Balada divertida, com gente não tão mais estranha, ainda que cheia de desconhecidos. A moça diz que vai ao banheiro. Digo que vou junto. Bauman ajudou a liquefazer a divisão sexual dos lavabos. Espero a que um travesti termine de urinar. Tenho pressa. Espero a moça na porta. Roubo-lhe um beijo. Não há resistência. Mas as luzes se ascendem. O tempo regulamentar tinha acabado. Anoto o celular dela. Combinamos um café.

Exatos nove anos depois daquela noite, relembro desta história uma e outra vez, no ônibus, a caminho de Nova Iorque. A caminho de recebê-la. 

Temperatura: 2ºC
Vento: moderado
Possibilidade de chuva: nula, dia de sol!